Na sexta-feira, dia 23 de agosto, durante a 12ª Sessão de Turma da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), foi aprovado um pedido de anistia coletiva que representa um marco na luta por memória e reparação no Brasil: o caso de Pedra Lisa. O pedido, baseado na tese de doutorado de Gabriel Bastos e pela equipe de Thales Treiger, defensor regional de direitos humanos no Rio de Janeiro da Defensoria Pública da União (DPU), estabelece um precedente crucial para futuras reparações coletivas e ações judiciais contra a União.
A tese de Gabriel, intitulada “Memória e Resistência Camponesa em Tempos de Repressão na Baixada Fluminense,” desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ, trata sobre a repressão que caiu sobre as populações rurais durante a ditadura militar. A pesquisa aborda a região conhecida como Pedra Lisa, na Baixada Fluminense, atualmente no município de Japeri, que possuía grande mobilização camponesa por meio da Sociedade de Lavradores e Posseiros de Pedra Lisa, fundada em 1948, para se defender da ação de grileiros. “A motivação de estudar Pedra Lisa está ligada a uma discussão geral de interpretação da realidade brasileira como um todo, que é a questão agrária e o trauma do golpe de 1964 sobre essa questão. Todos nós vivemos as consequências desse trauma até o tempo presente, e Pedra Lisa é um caso importante para se discutir alguns aspectos desse trauma”, afirma o pesquisador.
Durante o encontro em Brasília, foi analisado o pedido de anistia coletiva da Associação da Comunidade Tradicional dos Camponeses da Pedra Lisa e Adjacências (ACTPL). Após o golpe de 1964, 22 desapropriações de terras, que haviam beneficiado os posseiros e ocorrido no Estado do Rio de Janeiro desde 1958, foram revertidas. A partir de então, desencadeou-se uma repressão intensa nas áreas rurais da Baixada Fluminense e em outras regiões do estado, que haviam sido marcadas por conflitos fundiários e mobilização camponesa. “É importante salientar que o pedido de reparação coletiva só foi possível devido a um grande esforço de pesquisa realizado durante anos. A ideia de utilizar a tese para um pedido de reparação coletiva já vinha sendo pensada alguns meses antes da defesa. A participação do Thales e das integrantes de sua equipe – Luana Marini, assessora jurídica e Maria Clara Valente, estagiária de pós-graduação da DPU – foi fundamental para que a petição fosse elaborada, sendo possível articular a maneira jurídica de elaboração desse tipo de pedido com o conteúdo da tese.”, comenta sobre a elaboração da petição.
Ao final da análise do pedido, a presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, pediu desculpas em nome do país a toda a comunidade. Para Gabriel, trata-se de um fato inédito. “Este foi o terceiro pedido de reparação coletiva encaminhado à Comissão de Anistia e o primeiro direcionado a populações camponesas, desde a implementação de seu novo Regimento Interno, de março de 2023, que passou a permitir requerimentos de anistia coletiva. Por consequência, trata-se da primeira comunidade camponesa do Brasil declarada como anistiada política de forma coletiva, com um pedido formal de desculpas do Estado brasileiro pelas formas repressivas que se manifestaram nessa região durante a ditadura empresarial-militar”, declara.
Postado em 03/09/2024 - 09:06
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