Financeirização da agricultura e formas de apropriação de terras

IH 1580

Disciplina específica da Linha Terra, Poder e Território
Número de créditos : 3
Carga horária: 4 horas aulas semanais
Professores responsáveis: Sérgio Pereira Leite e Karina Kato

Ementa

No transcurso da última década, expressivas transformações econômicas e sociais tiveram lugar no contexto do capitalismo global, não só no tocante à reorganização produtiva e tecnológica mas, fundamentalmente, na reconfiguração geopolítica dos atores e dos seus interesses dentro do sistema e no processo cada vez mais intenso de financeirização das atividades econômicas. O setor rural tem assumido posição singular no conjunto dessas iniciativas. Estamos assistindo a um crescimento do interesse e busca por terras em todo o mundo, especialmente em razão da demanda por alimentos, agroenergias e matérias-primas. Segundo estudo do Banco Mundial, de 2010, a demanda mundial por terras tem sido enorme, especialmente a partir de 2008, tornando a “disputa territorial” um fenômeno global. A transferência de terras agricultáveis era da ordem de quatro milhões de hectares por ano antes de 2008. Só entre outubro de 2008 e agosto de 2009, foram comercializados mais de 45 milhões de hectares, sendo que 75% destes na África e outros 3,6 milhões de hectares no Brasil e Argentina, impulsionando aquilo que se convencionou chamar, na expressão em inglês, de “land grabbing”, ou “estrangeirização” das terras. Esses termos vêm sendo empregados nos estudos na área, para caracterizar um processo de apropriação de grandes parcelas de terra pelo capital estrangeiro envolvidas na produção e exportação de alimentos, rações, biocombustíveis, madeiras e minerais. Países da América Latina e da África, normalmente ricos em recursos naturais e em grandes extensões de terras agricultáveis, passaram a ser o alvo de muitos investimentos internacionais capitaneados por grandes corporações, em larga medida, com apoio dos Estados. É o caso de países, como a China, que buscam arrecadar novas áreas para produção de alimentos, minérios e biomassa, tendo em vista as limitações do seu próprio território. Para tanto, lançou-se mão da noção de “investimentos responsáveis” – no sentido de qualificar esse tipo de iniciativa – como um elemento dinamizador das atividades econômicas dos países objeto da estrangeirização das terras.

O Brasil, em particular, foi duramente atingido pelo commodity boom. O aumento no preço das commodities agrícolas e minerais, a maior demanda por biocombustíveis e a imensa demanda chinesa por esses produtos no comércio internacional tiveram como contrapartida o fortalecimento do agronegócio brasileiro e a expansão de novas áreas de produção, munidos de um patamar  tecnológico cada vez mais sofisticado e custoso, identificado nos princípios da agricultura de precisão e crescentemente adepto do discurso da sustentabilidade. Essa valorização do chamado “agronegócio” latino-americano, e brasileiro em particular, tem tido como contrapartida a abertura de uma nova frente de impasses (sociais, ambientais etc.) no meio rural e, por reforçar a ideia do produtivismo agrícola, tem produzido fortes tensões sobre as concepções de ruralidade e de  desenvolvimento rural que se apoiam no fortalecimento da agricultura familiar e/ou na dimensão territorial. O avanço das fronteiras de produção (agrícolas ou não) para áreas até então pouco valorizadas do ponto de vista produtivo (normalmente, ocupadas por agricultores de subsistência, indígenas e povos e comunidades tradicionais) e da infraestrutura logística, que possibilita sua ligação com os mercados internacionais, tem favorecido a emergência de velhos e novos conflitos sociais, como o acelerado processo de concentração e de expropriação de terras, a disputa  territorial entre os diferentes atores em jogo (inclusive entre os setores empresariais propriamente ditos), a multiplicação dos impactos socioambientais e as resistências ao processo de mercantilização de bens comuns (como terra, água, biodiversidade).

Objetivos

Tendo em vista as dinâmicas mencionadas acima, o objetivo do curso é possibilitar que os alunos, por meio das aulas, da discussão dirigida de textos, da preparação de seminários e da redação de um ensaio final, construam uma perspectiva analítica sobre a expansão do agronegócio, o processo de financeirização da agricultura, o fenômeno da estrangeirização de terras e as novas formas de disputas no campo.

A disciplina visa oferecer aos estudantes uma compreensão abrangente do  processo de internacionalização e financeirização da agricultura de forma geral, com especial interesse nos processos de estrangeirização de terras (ou land grabbing, no termo em inglês) que vêm afetando um conjunto importante de países, particularmente em África e na América Latina. Para tanto, são propostas algumas chaves teórico-metodológicas interpretativas com vistas à problematização desses fenômenos, enfatizando o período recente (início do século XXI), com uma menção específica ao caso brasileiro. Com base em literatura especializada e atualizada, procura-se, ainda, debater os velhos e novos impasses que emergem diante dessas iniciativas de apropriação de terras e financeirização dos ativos fundiários, sejam aqueles resultantes da concorrência estabelecida entre os grandes grupos internacionais e as diversas cadeias produtivas do setor, sejam aqueles oriundos dos movimentos de resistência e contestação promovidos pelas organizações sociais atingidas diretamente pelo processo.

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Postado em 27/04/2022 - 20:59

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