In memorium
À Arthur Lessa Albuquerque, com um grande vazio no peito, que compartilho com Clara e Isabella, esposa e filha, seus entes mais queridos. Depois de longo tempo retomamos nossos contatos em 2015. Foi bom vê-lo pessoalmente em sua visita ao Sitio Mirassol para pegar seus exemplares do livro “Natureza, sociedade e afetos em Laboratório de Pós-Graduação” retomando a parceria da turma de 2004 no CPDA. Tive com você uma grata surpresa ao convidar-me, no início de 2017, para acompanhá-lo mesmo que de longe, em suas lutas para recuperar a saúde. Trocamos várias mensagens até sua internação e soube de você quase diariamente em trocas de mensagens com Clara. Espero que minhas energias tenham acompanhado seus passamento. Convidado e escrever sobre você, resolvi divulgar palavras suas de 2015 neste pequeno extrato publicado em nosso livro.
“Sobre a identidade da Turma de IH 1527, 2004
Estimulado a narrar, agora em 2015 sobre aquelas experiências de 2004, transcrevo a escrita de Arthur:
Praticamente 11 anos depois da experiência que causou o maior volume de emoções e reações em minha vida num ambiente acadêmico, recebo o convite para, de alguma forma, revive-la na leitura do que foi escrito, individualmente e coletivamente, na época; e, principalmente nas lembranças despertas por esse exercício, que devo acrescentar ser totalmente inesperado.
Nesse tempo que se passou, desisti – pelo menos até o momento – da carreira universitária, investi e aprimorei-me no Ensino de Geografia nas instituições em que trabalho, principalmente com os jovens do Ensino Fundamental II. Na minha vida pessoal, casei-me e tive uma filha linda, que hoje tem seus seis anos. Muita coisa aconteceu nesse tempo! O curso de mestrado no CPDA ficou no passado, pois não consegui concluí-lo, por desentendimento com minha antiga orientadora e por não ter mais forças para finaliza-lo depois que o Professor Roberto Moreira estendeu-me a mão para uma nova orientação. Foi uma experiência boa até o ponto em que os estudos e as experiências realizadas contribuíram para ampliar minha visão de mundo; e também foi uma experiência ruim, em que tive que aprender a conviver com um sentimento de fracasso, de algo não finalizado de forma correta. Porém, dentre as experiências positivas vivenciadas, nada se compara ao que realizamos na disciplina Natureza e Sociedade, ministrada pelo Professor Roberto Moreira.
Era um misto de razão e emoção, mistério e desconfiança e até certo ponto, de lucidez e loucura. Esses sentimentos, e outros mais, nos acompanharam durante todo o semestre, desde o momento em que entrávamos na sala de aula até o último minuto. A sensação era que o inusitado sempre estava por vir. Às vezes me perguntava, no meu íntimo mais profundo, se eu realmente sabia o que estava fazendo e se o limite da sanidade mental não havia sido ultrapassado. Mesmo tendo textos de autores consagrados e a orientação do Professor Moreira, esses sentimentos fluíam o tempo todo.
Os vasos, que começaram como objetos físicos que impulsionavam as discussões nas aulas, extrapolaram sua condição de matéria e se tornaram seres alegóricos, a ponto de não importar tanto se o objeto em si, presente na aula, era o mesmo da semana anterior. Éramos quase capazes de observar os vasos, sem vasos, de tanto que as discussões tendo esses objetos como temática se aprofundaram. Eles até poderiam ser vistos como místicos em alguns momentos.
Nessa condição, de objetos místicos, é que eles reapareceram em minha vida. Não fazia nem uma semana que havia comentado e discutido com um amigo e colega de trabalho, Leonardo Chermont, atual mestrando em História, as minhas experiências com os vasos durante o mestrado, quando fui contatado, via Facebook, pela colega de disciplina Renata Eboli sobre a intenção de transformar as experiências vivenciadas em um livro. Quer dizer, depois de tanto tempo sem tocar no assunto e nem pensar sobre ele, eu comento com um amigo e, alguns dias depois, os vasos retornam a minha vida. Serão os poderes místicos dos vasos?!
Bem, finalizando minhas atuais considerações, devo dizer que a experiência em si mudou minha forma de pensar e de ver as pessoas, os problemas e a vida de uma forma geral. Nada que está ali, em frente aos nossos olhos, é certo, é seguro. Tudo pode se desfazer. E realmente se desfaz, mesmo que tão lentamente, que somente um olhar de um físico analisando elétrons e moléculas pode fazer uma pessoa perceber. Por isso, a partir daí, aprendi a valorizar o imaterial, os sentimentos, até o instinto; e deixar de lado o apreço por coisas materiais. Tudo isso fez muita diferença na minha vida, mesmo sem nunca ter parado anteriormente para pensar sobre o assunto. As aulas que eu ministro hoje são repletas dos sentimentos e aprendizados que tive nas experiências sobre os vasos, mesmo… sem os vasos. (Arthur, 2015).” (p.249-250)
A você e seus entes queridos saudades, carinho e afetos de toda a comunidade do CPDA.
Roberto José Moreira, 20/12/2017.
Postado em 20/12/2017 - 11:20 - Atualizado em 29/06/2018 - 16:29